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Arbitragem no mundo globalizado.
Crédito de autoria -
Por Caio Campello
O Brasil Globalizado e a Arbitragem.
Caio Campello, sócio no escritório Tauil & Chequer Advogados associado a Mayer Brown LLP, é responsável pela prática de Arbitragem e Contencioso Cível, tendo 16 anos de experiência em arbitragens nacionais e internacionais, especialmente no setor de infraestrutura. Possui experiência profissional e acadêmica em Londres, sendo reconhecido por Chambers & Partners como referência em Arbitragem.
TEXTO USADO COMO REFERÊNCIA NA AULA DE FORMAÇÃO DE ÁRBITRO-CJC-CECU-INESPEC.
Todos os direitos autorais pertence ao autor.
Globalização e especialização. Talvez essas sejam as palavras que sintetizam a nova ordem jurídica. Hoje, mais do que nunca, o mundo está interligado, as fronteiras não mais existem e as atividades de comércio estão complexas e especializadas. O Direito teve, e sempre terá, que acompanhar a dinâmica dos negócios. Em uma transação não existe apenas um contrato. Existem vários, que se conectam, formando redes complicadas de direitos e obrigações, que devem ser observadas por várias partes, em diversos lugares do mundo.
Na essência, o Direito deve preservar a segurança jurídica, deve evitar surpresas entre os contratantes, enfim, deve zelar para que as partes tenham confiança e conforto de que as regras do jogo não mudarão do dia para a noite. Entretanto, o Direito tem sido obrigado a assimilar e a se moldar a todas as mudanças com maior velocidade sem, contudo, deixar de preservar os princípios norteadores do Direito. Pode-se dizer que o instituto da arbitragem é um exemplo dessa evolução jurídica a passos mais acelerados.
Existem alguns motivos naturais para que isso tenha acontecido no Brasil, em particular. Há basicamente dois enfoques para se examinar o assunto: o jurídico e o econômico. A Lei de Arbitragem foi promulgada em 1996. O Brasil passou a ter maior estabilidade econômica a partir de 1994, com a criação do Plano Real. De certa forma, portanto, o cenário econômico favorável serviu perfeitamente para acolher uma novidade jurídica como a arbitragem. O maior equilíbrio econômico trouxe um crescimento do País nos anos seguintes, fazendo com que o Brasil entrasse, de vez, neste complexo mundo globalizado.
A globalização é algo que em si já traz alguns efeitos colaterais. Um deles é o de forçar aquele país a ser receptivo a novas ideias, culturas, conhecimentos e técnicas. Exige que o país crie mecanismos jurídicos para se moldar às exigências do que o mundo comercial determina, acompanhando a sua forma e sua velocidade. É neste contexto em que se insere a arbitragem. Até 1996, brasileiros e estrangeiros tinham o Judiciário para se socorrerem em caso de conflitos. A partir de 1996, passaram a contar com pelo menos uma (boa) opção: a arbitragem. E como tudo na vida, é sempre reconfortante termos opções. Isso traz liberdade e, porque não, vantagens.
Já por ser, portanto, uma opção ao Judiciário, a arbitragem, na sua gênese, traz consigo uma vantagem. Há aqueles (poucos, diga-se de passagem) que preferem defender a ideia de que a arbitragem tem desvantagens em relação ao Judiciário. Naturalmente, não existe nenhum sistema de solução de controvérsias que esteja blindado a problemas. A arbitragem não é diferente. Existem sim pontos de melhoria, mas quando comparadas aos pontos fortes, as alegadas “falhas” ficam marginalizadas. É preciso ter em mente que a arbitragem é essencialmente criada conforme as necessidades das partes. Permite escolhas, flexibilizações, adaptações aos anseios das partes. Consequentemente, quando temos a opção de fazer algo “sob medida”, paga-se mais caro por isso. Mal comparando, é como comprar um terno pronto na loja de um shopping center e outro feito, para você, conforme seus gostos e medidas, por um alfaiate contratado.
Caímos, portanto, na especialização. O Direito é atualmente algo multidisciplinar. Temos o direito da construção, o direito do petróleo, o direito da energia, o direito societário, o direito financeiro, o direito do seguro, o direito da telecomunicação. Para cada setor da economia existe um direito correspondente. Isso foi uma exigência e uma consequência natural da evolução dos negócios. Mas o Judiciário não acompanhou toda esta revolução. Não vem ao caso aqui discutir os motivos. É um fato incontestável. Hoje, temos pouquíssimos exemplos de varas e câmaras especializadas no Brasil. Há casos pontuais em São Paulo e no Rio de Janeiro, mas ainda é muito pouco quando comparado ao resto do país.
A falta de especialização dos juízes, desembargadores e ministros gerou, portanto, uma necessidade que não poderia deixar de ser atendida. Os homens de negócio precisavam que seus problemas fossem solucionados por pessoas que entendessem da matéria controvertida. Era necessário que os julgadores tivessem um preparo técnico tal que as partes se sentissem confortáveis e confiantes no resultado final. Nada mais justo. Em meio a estes anseios é que a arbitragem entra com o estigma da “luz no fim do túnel”. O motivo é simples: as partes têm a liberdade de escolherem os julgadores, conforme o assunto específico do litígio.
Assim, ao contrário do Judiciário, no qual a ação é distribuída sem que as partes possam indicar qual o juiz que julgará o caso, a arbitragem proporciona a escolha. Isso talvez seja a maior vantagem que a arbitragem trouxe ao Brasil globalizado. Agora, os empresários têm maior tranquilidade em saber que seu caso pode ser resolvido por alguém com conhecimento específico na matéria. E mais, escolhido entre aqueles que, além do saber técnico, têm a confiança da parte. Existe aqui uma questão pouco abordada no âmbito da arbitragem, que é justamente a afinidade que a parte tem com o árbitro que irá nomear. Que fique claro que isso não significa qualquer menção à falta de imparcialidade e independência dos árbitros. Aliás, a arbitragem é bastante rígida em exigir assinatura de termos de independência e imparcialidade pelos árbitros, proporcionando, ainda, mecanismos para sua impugnação.
Existe outro aspecto que é tão ou mais importante do que a especialização: a celeridade do procedimento arbitral. Embora o Judiciário brasileiro não esteja sozinho na discussão sobre morosidade, até mesmo porque a grande maioria dos judiciários estrangeiros também sofre do mesmo mal, fato é que uma ação judicial no país pode demorar até 10 anos para transitar em julgado. É claro que existem exceções, dependendo do Estado, mas quando se compara que, em média, uma arbitragem pode levar 2 anos para se concluir, estamos falando de nada menos do que uma velocidade cinco vezes maior. Embora tal celeridade traga vantagem econômica significativa, a rapidez no julgamento traz algo mais principiológico, que é a sensação de que a justiça foi feita. Quanto mais o processo se prolonga, menos se tem a sensação de que a justiça foi feita naquele caso.
A arbitragem também proporciona que o “campo do adversário” seja evitado. Fazendo um paralelo com o futebol, nenhum time gosta de jogar “na casa” do outro. Em uma briga, acontece a mesma coisa. Existe um receio de que uma disputa submetida ao foro da comarca da parte contrária pode resultar em julgamento parcial. Isso se vê mais especificamente em determinadas jurisdições no Brasil, mas é mais evidente em casos internacionais. Como o Brasil foi alvo de uma avalanche de investimentos estrangeiros nos últimos 15 anos, o número de contratos firmados com partes estrangeiras aumentou drasticamente. Como consequência, a parte estrangeira que se envolve em uma controvérsia com uma parte brasileira prefere não se submeter ao judiciário pátrio. Não é de hoje que são ventiladas notícias de corrupção e de falta de preparo dos nossos magistrados. Assim, a arbitragem proporciona neutralidade no campo de batalha. As partes são livres para escolher uma jurisdição neutra para sediar os atos da arbitragem. Tal neutralidade se estende também à câmara de arbitragem, que administrará o procedimento, e aos árbitros, que julgarão o caso.
Outro ponto relevante que também está intimamente relacionado às exigências do mundo globalizado dos negócios, no qual o Brasil tem se destacado cada vez mais, principalmente entre os BRICs, é o sigilo. A confidencialidade das disputas é muitas vezes algo essencial para as partes, que preferem não expor ao público que estão envolvidas em um litígio. Existe uma questão reputacional aliada a uma preocupação de não conferir publicidade aos detalhes das discussões. Isso é mais comum em casos envolvendo brigas societárias e disputas sobre aspectos técnico-econômicos de determinados setores da indústria. Como a arbitragem proporciona debates muito mais aprofundados, é natural que haja uma maior exposição de fatos, informações e documentos, o que nem sempre deixa as partes confortáveis em tê-los revelados ao público em geral.
Não podemos nos esquecer de uma parcela relevante que contribuiu para o desenvolvimento da arbitragem no Brasil: as pessoas. Com tranquilidade, é possível afirmar que o País conta com uma comunidade de praticantes da arbitragem que pode ser equiparada a grandes potências mundiais. Graças ao esforço de estudantes, advogados, professores e membros das câmaras de arbitragem é que a arbitragem se tornou uma realidade nacional. Foram anos discutindo a excelente Lei de Arbitragem e tantos outros formando pessoas que estudam, discutem e praticam arbitragem. Acima de tudo, os praticantes da arbitragem formam um grupo unido, empunhando a bandeira da consolidação da arbitragem como o melhor meio de solução de controvérsias empresariais. Também merecem todo o crédito os magistrados que se renderam à eficácia do instituto da arbitragem e souberam cooperar para seu desenvolvimento e aplicação no País.
Há, portanto, uma junção de fatores que contribuíram, e ainda contribuirão, para a consolidação da arbitragem, como um método muito eficaz de solução de controvérsias comerciais. O Brasil está entre os principais países que utilizam arbitragem no mundo, estando abaixo apenas de potências como França, Inglaterra, Estados Unidos e Alemanha. Tem destaque especial na América Latina, com um número crescente de partes brasileiras, árbitros brasileiros e sedes de arbitragens. É, sem dúvida, uma história de sucesso que deve servir de exemplo para outros institutos jurídicos que pretendem acompanhar o dinamismo das relações comerciais do mundo moderno.
Caio Campello, sócio no escritório Tauil & Chequer Advogados associado a Mayer Brown LLP, é responsável pela prática de Arbitragem e Contencioso Cível, tendo 16 anos de experiência em arbitragens nacionais e internacionais, especialmente no setor de infraestrutura. Possui experiência profissional e acadêmica em Londres, sendo reconhecido por Chambers & Partners como referência em Arbitragem.